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ConflitosTerritório Ocupado da Palestina

Guerra em Gaza: Um Ramadão sombrio para os palestinianos

Tania Krämer
11 de março de 2024

Para muitos palestinianos, há poucos motivos para celebrar no mês sagrado, este ano. Teme-se que as tensões possam alastrar a Jerusalém Oriental, anexada por Israel.

Durante o Ramadão, os muçulmanos reúnem-se para rezar na grande praça em frente à Mesquita de Al-Aqsa (vista aqui em segundo plano)
Durante o Ramadão, os muçulmanos reúnem-se para rezar na grande praça em frente à Mesquita de Al-Aqsa (vista aqui em segundo plano)Foto: Tania Kraemer/DW

Alguns dias antes do início do mês sagrado do Ramadão, as ruas da Cidade Velha de Jerusalém Oriental estavam mais silenciosas do que o habitual. Ao contrário de outros anos, não há luzes a enfeitar os caminhos estreitos. O ambiente é sombrio, com um ar de incerteza sobre como decorrerá o mês sagrado do jejum e da oração.

"Não sentimos o Ramadão", diz Um Ammar, enquanto caminha na rua Al-Wad, umas das principais da Cidade Velha. A guerra em Gaza ocupa a mente de todos, afirma. Segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, cerca de 31.000 pessoas foram mortas e as agências de ajuda humanitária alertam para a fome iminente.

"Aqui, vamos ter um iftar. Mas há muita gente que não vai poder comer, porque não há comida em Gaza", explica, referindo-se à refeição que quebra o jejum ao pôr do sol. "Quando nos sentarmos à mesa, de que tipo de Ramadão vamos falar? Isto não é Ramadão, parece mais um velório para prestar condolências", lamenta.

Um sentimento partilhado por muitos no bairro. Hashem Taha tem uma loja de especiarias na rua Al-Wad: "Jerusalém está triste, o povo de Gaza é o nosso povo, é família, e somos afetados pelo que vemos a acontecer lá".

Muçulmanos rezam em frente à mesquita de Al-AqsaFoto: Jamal Awad/APA/Zuma/dpa/picture alliance

Esperança num Ramadão calmo

Ao longo dos anos, comerciantes e residentes deste bairro têm vindo a testemunhar a tensão e violência entre a polícia fronteiriça israelita e residentes palestinianos, mas a maioria espera que se mantenha uma relativa calma em Jerusalém durante este Ramadão.

Perto da loja de Taha, agentes da polícia israleita interpelam jovens palestinianos para verificar a sua identidade e pertences. "Já estão a dificultar muito as coisas e a incomodar as pessoas a toda a hora", diz Taha.

Este ano, a guerra em Gaza, que começou depois de militantes do Hamas atacarem o sul de Israel a 7 de outubro, está a ensombrar o Ramadão. O mês sagrado começou na noite de domingo (10.03), depois do avistamento da lua em quarto crescente.

No passado, as tensões concentravam-se em torno da mesquita de Al-Aqsa, conhecida pelos muçulmanos como Haram al-Sharif e pelos judeus como Monte do Templo, onde se encontra o Muro das Lamentações.

A Mesquita de Al-Aqsa no Haram al-Sharif (Santuário Nobre) é um dos locais mais sagrados para os muçulmanos na Cidade Velha de Jerusalém Oriental. Para os judeus, a área é conhecida como o Monte do Templo.Foto: Tania Kraemer/DW

Pontos de tensão

Dutante o Ramadão, centenas de milhares de muçulmanos reúnem-se para rezar na grande praça em frente à mesquira de Al-Aqsa.

Em fevereiro, o ministro da Segurança de Israel, o político de extrema-direita Itamar Ben-Gvir, apelou à restrição do número de de fiéis que podem ir à mesquita. As tentativas de Israel de impor restrições relacionadas com a idade e outras aos palestinianos que entram no local sagrado (para os muçulmanos e para os judeus) levaram a confrontos entre as forças policiais e os fiéis, no passado.

O Hamas - classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e a Alemanha, entre outros - também tentou usar a importância do local para palestinianos e muçulmanos em todo o mundo para aumentar a pressão. Recentemente, num discurso transmitido pela televisão, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, apelou aos palestinianos para que marchassem até à mesquita de Al-Aqsa no primeiro dia do Ramadão.

O Portão de Damasco é um dos principais portões que conduzem à Cidade Velha a partir de Jerusalém OrientalFoto: Tania Kraemer/DW

A 5 de março, o Governo israelita disse que não iria impor novas restrições: "Durante a primeira semana do Ramadão, os fiéis serão autorizados a entrar no Monte do Templo em número semelhante ao dos anos anteriores", refere um comunicado divulgado pelo gabinete do primeiro-ministro israelita. "O Ramadão é sagrado para os muçulmanos e a sua santidade será mantida este ano, como acontece todos os anos". No entanto, lê-se ainda no documento, "será efetuada uma avaliação semanal dos aspetos de segurança".

Ao mesmo tempo, também se verificam frequentemente cenas de tensão e violência noutras partes de Jerusalém Oriental ocupada por Israel, sobretudo em torno do Portão de Damasco e da sua praça - uma das principais portas de entrada na Cidade Velha - com a polícia a impedir jovens palestinianos residentes de se reunirem nas escadas durante as noites de Ramadão. Ainda não é claro se os palestinianos da Cisjordânia ocupada poderão entrar em Jerusalém.

Al-Aqsa quer rezar com "calma e tranquilidade"

Autoridades religiosas saudaram a decisão do Governo. "Estamos muito felizes por, neste mês abençoado, haver coisas que começaram a tornar-se claras para os muçulmanos no que respeita à abertura das portas da Mesquita de Al-Aqsa a todos os visitantes, sem restrições de idade", disse o xeque Azzam al-Khatib à DW, em Jerusalém.

Azzam al Khatib é o diretor do Waqf de Jerusalém, o organismo responsável pela implementação da custódia jordana sobre locais sagrados islâmicos e cristãos em Jerusalém e não só. "O nosso objetivo é orar e jejuar lá, e a possibilidade de chegar à mesquita em total calma e tranquilidade. Também deixar a mesquita em total calma e tranquilidade", afirma.

Doces típicos do Ramadão, nas ruas da Cidade VelhaFoto: Tania Kraemer/DW

O início do Ramadão tinha também sido apontado como uma espécie de prazo para os recentes esforços dos mediadores dos EUA, do Qatar e do Egito para alcançar um novo acordo de reféns e cessar-fogo temporário entre Israel e o Hamas. No entanto, não há qualquer sinal de um acordo para a libertação dos 134 reféns israelitas sob controlo do Hamas.

Em Gaza, havia esperanças de que um cessar-fogo, mesmo que temporário, trouxesse algum alívio. Pelo menos, haveria menos medo e ansiedade, diz Nour al-Muzaini à DW através do WhatsApp. Há seis meses que esta mulher de 36 anos está deslocada - partiu da cidade de Gaza para Khan Younis e depois para a cidade fronteiriça de Rafah.

"No Ramadão, cumprimos rituais que são parte integrante da nossa vida normal, como a quebra do jejum, a oração e os atos de adoração. É um mês de misericórdia e de perdão, mas é difícil cumpri-lo quando se está deslocado", afirma.

Um Ramadão sombrio

Tamer Abu Kwaik está acima de tudo preocupado com os seus filhos. Ele e a sua família vivem agora numa tenda em Rafah, depois de fazerem uma viagem semelhante desde o norte de Gaza. O Ramadão, diz Abu Kwaik, sempre foi uma época especial para a família.

As organizações internacionais de ajuda humanitária alertaram para a fome, sobretudo no norte de GazaFoto: Mohammed Salem/REUTERS

"Antes da guerra, costumávamos criar um ambiente bonito para as crianças. Agora, fazemos o melhor para lhes pormos sorrisos na cara. No entanto, enquanto decoro a tenda, percebo que não vai ser tão bom como era", conta, numa mensagem de áudio através do Whatsapp.

Tem sido difícil lidar com a incerteza sobre o futuro: "Temos estado psicologicamente a tentar lidar com esta crise, esperando que a guerra termine em breve e que haja um cessar-fogo para podermos voltar a casa", explica Abu Kwaik. "A minha casa foi demolida. Pergunto-me muitas vezes o que é que vou fazer quando a guerra acabar".

Se não for alcançado um novo acordo sobre os reféns, Israel afirmou que iria alargar a sua operação terrestre a Rafah, onde cerca de 1,4 milhões de palestinianos deslocados procuram atualmente abrigo.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reiterou que "as IDF [Forças de Defesa de Israel] continuarão a atuar contra todos os batalhões do Hamas em toda a Faixa de Gaza - e isso inclui Rafah, o último reduto do Hamas. Quem quer que nos diga para não operarmos em Rafah está a dizer-nos para perdermos a guerra - isso não vai acontecer".

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