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EducaçãoBrasil

Precisamos banir celulares nas salas de aula

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
7 de março de 2024

Carecemos de uma política pública que crie instrumentos assertivos de punição para quem utilizar o aparelho nas salas. É otimista demais quem diga que o caminho seja a sensibilização sobre o tema. Isso não adianta mais.

Foto: picture-alliance/dpa/ZB/J. Kalaene

Há algumas semanas, tivemos um texto publicado por um autor colaborador. Se tratava de um jovem do ensino médio público que defendia o uso de celular nos colégios para fins pedagógicos.

Na época, tivemos centenas de comentários de pessoas que achavam a ideia daquele jovem um absurdo. Sou o autor principal da coluna e já começo este texto expondo a minha opinião: faço parte do time do pessoal dos comentários. Dado o contexto brasileiro, não acredito no uso dos celulares nas salas de aula.

Na época eu aprovei o texto do estudante, pois acredito na pluralidade de opiniões e eu também queria entender os argumentos que ele utilizaria enquanto um aluno. Acredito que eles precisam ser ouvidos. Em sua defesa, trata-se de um jovem fora da curva e que sempre foi um aluno exemplar. Acredito, sim, que ele está num nível de conseguir utilizar o aparelho eletrônico nas salas de aula sem distrações e apenas para fins pedagógicos, mas sejamos honestos: ele, mesmo que sem saber, faz parte de uma esmagadora minoria.

Há 7 anos visito escolas públicas e na última semana visitei 11 colégios e mais de 50 salas. É fato: o celular é uma grande distração, um vício e tem sido o grande vilão dos professores.

Na segunda, 4/3, visitei uma turma em que 80% dos alunos estavam com o celular na mesa. Metade deles estavam com ele na mão e uns 5 estavam até de fone. Em outra turma, durante minha fala com eles, um simplesmente tirou o celular do bolso para ouvir um áudio. É uma ação que atrapalha o professor e distrai a turma toda. Nota-se nos olhos deles o quanto estão viciados e ansiosos para ver as notificações.

Eu sou bem chato com isso e peço para guardarem. Uma parte guarda facilmente, mas quase sempre há outros dois tipos: aqueles que guardam nos olhando com uma cara muito feia e aqueles que assumem uma postura defensiva/desrespeitosa e simplesmente não guardam. Como não estou visitando estas escolas enquanto professor, sinto que não tenho liberdade para ir além e não há muito o que fazer.

Falta de interesse e dependência

Semana passada estava na sala da coordenação de um colégio e acompanhei na íntegra o caso de uma professora. Ela levou o aluno para lá e requereu que os pais fossem chamados. O que aconteceu? Ele estava no celular durante a aula toda e ela pediu 5 vezes para guardar. Na sexta, ele respondeu ela de forma muito grosseira dizendo que a mãe estava doente e essa era sua prioridade, e não a professora.

Ela tentou explicar que a pauta não era a situação com a mãe, mas sim o uso do celular, inclusive em outros dias, e que bastava ele ter dito a situação e ela deixaria ele sair da sala. Ele não entendeu e a coordenação atuou para que a mãe não fosse chamada e a professora entendesse o aluno.

Sinto muito pelos professores. Muitíssimo. É horrível estar falando lá na frente e precisar lidar com alunos no celular. Alguns já nem disfarçam mais, nem o interesse pela aula e nem o vício pelo aparelho. É uma configuração que atrapalha todo mundo: os que ainda querem aprender, os professores (como se concentrar assim?) e também os que estão no celular. Ninguém ganha.

Uso simplesmente não é possível

Se alguém me perguntar se o celular e demais aparelhos eletrônicos têm o potencial para ser ferramentas pedagógicas, eu direi que sim. É claro que há esse potencial.

No entanto, se me perguntarem se eu acredito nesse uso pedagógico dos celulares nos colégios brasileiros, eu direi que não e , infelizmente, nem imagino isso acontecendo tão cedo. Não posso falar por outros países, mas no Brasil esse uso em salas de aula simplesmente não é possível, pois os aparelhos são sinônimos absolutos de redes sociais e distração.

Durante minha graduação na USP, meu celular foi meio inimigo nas aulas. Eu usava majoritariamente para trabalho, mas não irei mentir: também, é claro, rolava o dedo nas redes sociais e fazia futilidades. No último ano de curso, tive aula com uma professora que proibia o uso e dizia que era uma oportunidade para nos "desentoxicarmos” dele. Hoje eu agradeço a ela, pois foi uma oportunidade, ainda que forçada, para eu entender que podia me desligar dele durante as aulas. Não apenas podia, como devia.

Dado todo o exposto, nem serei otimista em propor um plano em que consigamos incorporar os aparelhos nas aulas e a serviço do bem pedagógico, simplesmente porque eu não estaria sendo otimista, mas sim ingênuo e alheio à nossa realidade.

Você, leitor, tem todo o direito de discordar ou trazer outros pontos de vista, mas a minha opinião é que os celulares devem ser proibidos durante as aulas. Não que seja algo incentivado hoje em dia, mas como está nós deixamos um desafio muito grande nas mãos dos professores e dos demais agentes dos colégios. Os professores, sobretudo, precisam gastar muita energia em pedir para que os celulares sejam guardados e isso os desgasta e atrapalha suas aulas. Quando o problema chega para a direção/coordenação, não há necessariamente muito o que possa ser feito e alguns pais simplesmente nem adianta serem chamados.

Creio que carecemos de uma política pública nacional que crie instrumentos assertivos de punição para quem utilizar o aparelho nas salas. De modo a corroborar a autoridade dos professores e munir eles de possibilidades de impor ela nas aulas. Temo que não dá outra forma, é otimista demais quem diga que o caminho seja a sensibilização sobre o tema. Isso não adianta mais. Precisa simplesmente ser proibido e de uma forma assertiva, que funcione e que puna, de forma justa, quem descumprir. Sim, chegamos nesse nível.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.

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